"Quanto mais nos elevamos, menores
parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar." Friedrich
Nietzsche
Abro as asas devagarinho, plano, venho de vez em quando ao
solo, raízes da árvore que me viu nascer. Rebusco memórias de mim, abraço quem
tenho, bebo das experiências, sacio-me de um ninho de histórias que eu mesma
criei.
Quantas penas me levou a vida!
São tantos os tombos, feridas, múltiplas cicatrizes, silvos
cansados e tantas vezes chorados, porque eu também sinto e muito. E sempre que
o meu planar é maior, sempre que quebro a asa, nos voos bons e nas aterragens más,
olho para trás. Não por saudade mas por gosto. Que gozo me dá ver-me agora com
tantas histórias para contar, tantas coisas e tanta gente, rotas que conheci tão
bem, pelas quais não quero passar mais, que se por elas não tivesse passado, tão
pouco teria aprendido. È rápida a minha espreitadela, que isto do passado não nos
deixa usufruir dos voos do presente.
Os pequenos voos que aproveito, mesmo em rotas que muitas
vezes não são minhas, treinam as minhas asas e melhoram a minha mente, gps
emocional de rotas sentidas. O ninho onde me deito lembra-me de onde vim. As árvores
onde pouso são postos de vigia a árvores mais altas, galhos seguros de
certezas: Um dia voarás até ali.
No meu canto trago a experiência do que passou, a melodia do
que aí vem.
Falta-me muito, eu sei, para conseguir voar como quero,
planar como desejo, fintar o vento com acrobacias seguras. Muitas penas mais me
levará a vida, quantas quedas terei ainda que sofrer…!
Cada voo é uma luta. E se é preciso sofrer para voar no mais
alto céu, então a primeira a abrir as asas serei eu.
Tu, alma de pássaro, nunca desistas. O teu voo de hoje faz
parte dos muitos que terás de tomar até conseguires alcançar as rotas da tua
vida.
Serão várias as paragens, as árvores e as quedas. Mas tu,
ave rara, saberás sempre que só as tuas asas te levarão onde almejas.
Agora vai e voa. És livre.
Enquanto percorreres o céu, o dia ficará mais bonito. E que
os teus voos sirvam de exemplo para quem nunca quis ter asas, por medo de não
conseguir voar.