terça-feira, 21 de maio de 2013

Viagem


Mal entrei naquele autocarro cheio de gente, apressei-me a arranjar o primeiro lugar à janela que encontrei. Gosto de ver a paisagem passar por mim, pitoresca, tragos de sol que teimam em não ficar um dia inteiro, numa viagem pequena, sem grandes atribulações. Encostei a cabeça ao vidro e as minhas memórias rapidamente despertaram, vibrando, acompanhadas de um fechar de olhos, pensamentos bem longínquos dali.

Lembrei-me de ti.

Era pequena, mas achava-me grande. Lembro-me bem que, no primeiro dia, perdida de quereres, cheguei àquela casa velha de tão antiga e encheste-me de perguntas. Um “Ah?” precipitado surgiu-me então e foi nesse mesmo dia que aprendi que interjeições não funcionavam contigo. Ainda hoje é o dia que evito fazê-lo! Talvez em memória a ti.
Naquela cidade tão minha, fui muito feliz. Ecoa-me a música praticada diariamente, os risos e as primeiras manobras de carro. O álcool, os amigos, as vestes negras de um orgulho imenso, o cheiro a natureza, as farras e folias, os apertos nos estudos, os abraços apertados, os sorrisos exagerados, a libertinagem de uma adolescência quase adulta, as minhas coisas, tanto, tudo e toda a gente.

Acordo de repente e a pequena sorria-me.
Naquele autocarro, do qual nunca tinha saído na verdade, parecia-me haver percorrido já milhões de quilómetros, bendita imaginação.
O seu olho verde brilhava de encontro ao meu. 10 Anos de gente, curiosidade aguçada, vestes de menina-princesa, ares de rebeldia arrapazada.
Rasei-lhe os braços com a minha mão esquerda. Tive que lhe perguntar:
- Estavas a olhar para mim, hum?! – Acenou com a cabeça afirmativamente, envergonhada.
- Bem, o que vale é que não estava mesmo a dormir, que costumo falar sozinha.
- Mas falaste…
- Falei?
- Sim, sorriste e suspiraste.
- Oh, mas isso não é falar!
- Claro que sim. Isso é Saudade.

Saiu do autocarro apressada, mochila às costas, nunca mais a vi. Para trás deixou-me, aparvalhada, a pensar naquela pequena que tinha sido tão grande.

È, miúda, Saudade. A expressão assinalada de uma emoção tão nossa, tão nostálgica, tão visível.

Saudade… Saudade è sentir o coração a suspirar e ver a alma a rir!


segunda-feira, 20 de maio de 2013




Não,não,não, ai Ai AAAAAIIII !
PUM.

Foi assim, após 3 segundos de muita luta, como que de um sabonete em mãos molhadas se tratasse, que a minha máquina caiu ao chão. E lá ficou. Bem mais do que os 3 segundos daquela demorada luta, devo confessar. Eu olhava-a com admiração e tristeza, enquanto imagens aleatórias apareciam no seu entorno, vagabundeando por um solo pesado de tão duro, demasiado, para uma pequena tão frágil.
Tanto que me custou a paga-la, tanto que dela preciso!
Tanto dinheiro que não tenho, tanto que vou precisar!
E é assim, que me surge, num ápice, o esboço de um sorriso satírico, o que é que se há-de fazer.

Eu bem sei que podia chorar e passar o dia em lágrimas, questionando-me sobre as escassas opções que possuo neste momento para compor aquela parte material de mim que me leva a unir-me a uma máquina. E podia, claro que podia, explodir com umas mãos cheias de palavrões e pontapés no ar, amenizando a dor material de uma necessidade imaterial. Podia também esbracejar, indagando que isto só me acontece a mim, que sou uma pobre menina infeliz sem dinheiro e, agora, sem a minha pequena. Podia tornar-me uma coitadinha infeliz – tenham muita pena de mim, por favor –, como podia também gritar alto e bom som “AHHH! PORQUÊ EU!?!?”!

Podia, claro que podia. Mas como diz o outro, não era a mesma coisa.

Porque eu sei bem que apesar das dificuldades que terei para a consertar, as coisas simplesmente acontecem. E de que me vale chorar, depois do leite derramado? E uns bons litros, digo-te já.
Aperta-me o coração, claro que sim. Custa-me, então não! Mas o que tem de ser, tem mais força. E eu, depois de tantas dificuldades, dores e lutas, já simplesmente me rio.
Talvez seja loucura, dizes tu. Mas eu não posso concordar contigo. Rir, nestes casos, é uma protecção que o coração tem para amenizar as dores de algo que poderia ser bem mais forte. E não me refiro apenas à máquina, mas a tudo o que acontece nos nossos coraçõezinhos de manteiga às vezes duros, mas que se derretem assim que uma brecha de um sol tão nosso os rasar.

A maior dificuldade que o ser humano tem – e o que o faz ser tão maravilhoso e diferente de todos os animais – é a capacidade de sentir de uma maneira exarcebada. O que nos impede, na maior parte das vezes, de ver os acontecimentos como eles são na realidade. È a nossa ligação tão efémera mas tão forte à terra e ao que admitimos ser nosso, que nos faz ser egoístas quando algo nos falta e chorar, quando devíamos estar gratos por termos tido a oportunidade de ter realmente, uma oportunidade.

Uma máquina partida, uma dor que já passa, uma complicação económica e um risinho satírico. È isto. A simplicidade tão complicada de uma vida. UFA!

Beijinhos, Ana