Mal entrei naquele autocarro cheio de gente, apressei-me a
arranjar o primeiro lugar à janela que encontrei. Gosto de ver a paisagem
passar por mim, pitoresca, tragos de sol que teimam em não ficar um dia
inteiro, numa viagem pequena, sem grandes atribulações. Encostei a cabeça ao
vidro e as minhas memórias rapidamente despertaram, vibrando, acompanhadas de
um fechar de olhos, pensamentos bem longínquos dali.
Lembrei-me de ti.
Era pequena, mas achava-me grande. Lembro-me bem que, no
primeiro dia, perdida de quereres, cheguei àquela casa velha de tão antiga e
encheste-me de perguntas. Um “Ah?” precipitado surgiu-me então e foi nesse
mesmo dia que aprendi que interjeições não funcionavam contigo. Ainda hoje é o
dia que evito fazê-lo! Talvez em memória a ti.
Naquela cidade tão minha, fui muito feliz. Ecoa-me a música
praticada diariamente, os risos e as primeiras manobras de carro. O álcool, os
amigos, as vestes negras de um orgulho imenso, o cheiro a natureza, as farras e
folias, os apertos nos estudos, os abraços apertados, os sorrisos exagerados, a
libertinagem de uma adolescência quase adulta, as minhas coisas, tanto, tudo e
toda a gente.
Acordo de repente e a pequena sorria-me.
Naquele autocarro, do qual nunca tinha saído na verdade,
parecia-me haver percorrido já milhões de quilómetros, bendita imaginação.
O seu olho verde brilhava de encontro ao meu. 10 Anos de
gente, curiosidade aguçada, vestes de menina-princesa, ares de rebeldia arrapazada.
Rasei-lhe os braços com a minha mão esquerda. Tive que lhe
perguntar:
- Estavas a olhar para mim, hum?! – Acenou com a cabeça
afirmativamente, envergonhada.
- Bem, o que vale é que não estava mesmo a dormir, que
costumo falar sozinha.
- Mas falaste…
- Falei?
- Sim, sorriste e suspiraste.
- Oh, mas isso não é falar!
- Claro que sim. Isso é Saudade.
- Claro que sim. Isso é Saudade.
Saiu do autocarro apressada, mochila às costas, nunca mais a
vi. Para trás deixou-me, aparvalhada, a pensar naquela pequena que tinha sido tão
grande.
È, miúda, Saudade. A expressão assinalada de uma emoção tão
nossa, tão nostálgica, tão visível.
Saudade… Saudade è sentir o coração a suspirar e ver a alma
a rir!
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