segunda-feira, 26 de maio de 2008

Tão Só...Sótão


Sei que não é tarde para te escrever. Nunca é tarde quando se gosta e se quer, quando o que pretendemos é mesmo um objectivo definido e estruturado, como o primeiro ponto na ordem de trabalhos de uma reunião importante. Na nossa vida acontece o mesmo. Nunca é tarde para amar, para sorrir e ter esperança, viver e fazer viver, sonhar e realizar…
A tua vida não tem sido fácil. Como te compreendo… Mas tal como Florbela Espanca disse um dia, “O meu mundo não é como o dos outros! Quero demais, exijo demais (…)”. E nós queremos e exigimos demais da vida. Afinal, somos simplesmente aquilo que fazemos, não é?!
Ultimamente a tua sede de viver foi-se extinguindo e já não te apetece nada. Vives cansado e debruçado nas preocupações que decidiste adoptar como animal de estimação. Sais para tomar um café mas a tua mente não se preocupa em assimilar se o que pediste está a teu gosto ou não, quando saíste do carro já tinhas pensado em voltar para casa, enclausurar-te no teu mundo e não deixar um único feixe luminoso que te possa aquecer…
…Abre a porta, descobre a paisagem na tua janela e deixa-me entrar no teu cantinho! Sei que não há muito espaço para os dois, mas apertadinhos lá podíamos ir cabendo.
Quero tanto ajudar-te…! Poder falar dos meus problemas e deixar-te aliviar os teus, trocarmos confissões e perguntarmos a nós mesmos e um ao outro o que é melhor para cada um!
Abre-me a tua porta e verás que não te quero mal. Não quero destruir as tuas coisas, nem mexer naquilo que está arrumado só e só por ti, tão pouco coscuvilhar as recordações que guardas sagradamente em cima do armário para que possas observa-las todos os dias… Quero apenas dar uma nova vida ao teu canto. Pintar as paredes, restaurar a mobília…. Abrir-te outra janela para que não possas ver apenas o pôr-do-sol, mas também contemplar o nascer do dia!
Não quero fazer-te mudar de lugar nem pôr as coisas á minha maneira… Eu gosto da tua casa, embora nunca lá tenha entrado. Às vezes morro de curiosidade, juro! Quando encostas a porta e pedes para esperar e ir com calma dá-me uma vontade louca de abri-la para trás e entrar! Mas respeito-te acima de tudo e sei que não gostas que entrem sem mais nem menos.
O meu cantinho recebe sempre muita gente. Há sempre gente a entrar e a sair, gente que passa lá de vez em quando e outros que passam lá a vida, como é o teu caso.
Temos os dois casas muito diferentes, mas temos o sótão igualzinho, sabes?! Descobri no outro dia, quando uma porta ao fundo de um dos ínfimos cantos do meu ultimo andar se abriu. Como nunca tinha reparado que ela existia?! Não entrei no outro sótão, mas percebi logo que só podia pertencer-te. Era exactamente igual ao meu! As inclinações constantes e muito acentuadas no tecto, umas caixas com pó e outras, as especiais, bastante limpas e completamente abertas… Até temos as mesmas minhocas no sótão! Sim, elas fizeram o favor de alargar a moradia e têm um buraquinho que liga os dois sótãos e pelo qual só elas passam.


A minha descoberta não me surpreendeu, não me comoveu, nem me assustou. Simplesmente me entristeceu… Porque reparei que apesar de tudo não existe ligação entre os sótãos para além da passagem das minhocas… Partiram a ponte que os ligava! Reparei que o gesto começou do teu sótão… Alguém vive lá há demasiado tempo contigo, habituaste-te demasiado àquele lugar e quando quiseste mudar, quem mora contigo não quis sair. E não saiu! Permanece lá até agora e tem acesso ao resto da tua casa, embora a ideia não te agrade minimamente. Eu sei que é complicado, quando moramos com alguém tanto tempo… Mas tens que reagir, A CASA È TUA! Foste tu que a construíste e decoraste a teu gosto, foste tu que colocas-te a mobília e a isolaste dos vizinhos barulhentos! Se os inquilinos não te agradam expulsa-os, eu já te disse que ajudo no que puder. Construímos algumas coisas do início, pomos tudo a teu gosto e se quiseres podemos fazer umas pontes entre nós, entre as duas casas, assim já te posso ir visitar! Tudo depende de ti…Tu és o dono da tua casa e só tu tens a chave para abrir e fechar a porta. Basta quereres…
Enquanto vais pensando e vagueando pelos cantos da casa trocando olhares com os teus inquilinos, eu continuo sentada no sofá da minha sala.
À tua espera. Na minha casa continua a entrar e a sair gente, mas nada como antigamente. Agora quem entra já permanece por cá mais tempo. De vez em quando vou ao sótão e empoleiro-me sempre na tal porta do canto que dá para o teu. Nunca mais a abri mas sei que os inquilinos permanecem lá... Porque tu deixas!
Eu vou ficar por casa…Por isso se a qualquer instante decidires mudar e afugentar quem tanto te atormenta chama por mim. A qualquer hora, minuto, segundo e nanossegundo eu estarei aqui para te ajudar no que achares necessário, ‘tá?! Enquanto isso vou-me sentando no sofá ou limpando o pó aos móveis. Não quero que nada falhe quando decidires visitar-me!

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