Esta é a história da princesa Ariel.
E esqueçam as caudas de peixe, as profundezas do oceano, omitam o príncipe e ignorem os navios. Muito em terra, apresento-vos a minha princesa:
Ariel Natal Paris.
Um pêlo muito encaracolado reluzia a par dos olhinhos vidrados de medo quando a vi pela primeira vez. Rabito de porco e grunhido de leitãozinho tal era o medo da permanecer na solidão. Ariel, dizia o meu pai, foi encontrada na rua e levada para um canil, quis o destino que por pouco tempo. Só a sorte não se apaixonou por ela, naquela vida das ruas. Tais eram as ganas de viver, arranjou apartamento em casa de bons donos, que por malvadez de um triste fado que guiava esta princesa, não puderam vê-la crescer.
Não sei bem o dia em que nasceu, mas de Dezembro, eleva-se a memória de um renascimento que fez de mim, um mês depois, uma mãe apaixonada pela sua cria. Pão e criação. Amor e Entrega. Paris de magia, romance e sonho.
Durante meses, afaguei-lhe as mágoas de um medo tão mimado que dava dó. Rebolava-se em mim, trincava as almofadas, saltava à janela, louca de emoção, levava tudo o que era meu e depois vinha, vinha sempre numa correria tão própria, deslizava tapete fora, poisava a pata já grande demais para um ser tão pequenino na minha mão, muito adulta.
Eu estou aqui, para sempre.
Num dia qualquer dia abro a porta e já a vejo correr para mim. Afago-lhe a peruca de um pêlo farto que traz do pescoço às orelhas e ela ladra de excitação. Demasiada ousadia, rebeldia, arreliação, também acho. Xiu, Ary!
Agradece-me todos os dias pela oportunidade que lhe dei. Eu, agradeço-lhe (num sussurrar orgulhoso) por fazer parte da minha vida. Abana a cauda e ali ficamos, horas no sofá, eternidades na cama, companheiras, parceiras, amigas.
Nunca imaginei que um cão pudesse ser tão importante na minha vida. Se calhar a magia foi essa: vê-la sempre como muito mais do que isso. Nunca pensaria eu que pudesse ser digna de uma privilégio tão grande como é conhecer a Ary e aprender tanto sobre tanta coisa. Puder conhecer um olhar, reconhecer um querer, saber tanto sobre alguém que se incorpora tanto em ti que apenas te deixa e faz guiar pelo olhar e pelo sentir. De palavras, ouvia ela pouco!
Da princesa Ariel recebi o dom da paciência. Foi difícil saber manobra-lo, conhece-lo, quantas vezes me fartei do nome da princesa por não honrar o presente que ela me dava. E, por fim, a magia começa a ser real.
Da Ariel, nasce a energia que eu nunca soube ter. A força que eu ambiciono quando a luz tende a fundir, a vontade de viver, de conhecer, de procurar. A garra física de uma cadela campeã, princesa perdigueira, a minha pequenina que corre pela vida fora.
Quem é linda, quem é?
Fui escolhida para cuidar da Aryzona e curar-lhe os medos, deixar-me que ela tratasse dos meus. Tinha de ser eu a ficar com aquela ternura, a aproveitar da sua companhia, ela sabia que eu merecia crescer.
Crê ser, crer ser, crescer. Crescer, crescer, crescer.
Ai, Ary, que falta que tu me fazes.
Cumprida a sua missão na terra, a Ary partiu, como sempre quis, eu sei. Rodeada de amigos, sem muito sofrer, nos seus cobertores coloridos, feliz de tanto saber viver.
Alegria! Determinação! Energia! A minha cadelinha foi levar a sua luz ao céu. Vai agitar os campos, correr pelos prados, rebolar-se na relva verde clara, chatear as pessoas de tanto saber dar-lhes paz. E isso fá-lo tão bem… Não fosse a Ariel Natal Paris uma força da natureza, impossível de não admirar, de não ter vontade de nos darmos para quem tanto se deu.
Eu, ficarei aqui, cheia de dor, cheia de saudade, cheia de tão vazia, mas continuarei a semear aquilo que a Ary desde sempre plantou: Permitir-me ao amor pelos animais, à paz e à entrega. Usar a paciência, não puder desistir, saltar barreiras, amar seres humanos. Era isso que tu fazias de melhor minha pipoquinha. E é assim que eu te vou recordar sempre, mesmo derrotada por dentro, mesmo querendo-te aqui, chata, atrevida, hiperactiva.
Agora vai, vai mas volta rápido. Há milhões de pessoas que poderás conhecer que merecem a lição que me proporcionas-te. Obrigada, coisa linda.
Dá beijinho à mamã, dá… Até já.
Amo-te, de um amor só nosso, agora sem nós.
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