quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Ele

7h59m: Já estou atrasada! Tenho que me despachar se quero ser a primeira a entrar na padaria. Todos os dias, desde há meses, aglomero pão em casa, só para entrar ali. Ele não sabe, nem ninguém, que o que eu quero mesmo é começar o dia a olhar para aqueles olhos amêndoados, tímidos e de um brilho que me deixa nervosa só de pensar. Evito o olhar muito a custo, mostro indiferença, pago e saio dali a correr. Que vergonha! Não sei como me dá para fazer estas meninices, eu que fui sempre tão direta e extrovertida… Por mais parvo que possa parecer, o meu incentivo para acordar de manhãzinha é este: olha-lo por segundos, sentir as suas mãos suaves numa troca de moedas, as mais pequeninas, apreciar a sua pele quente, tremer, tremer, tremer e vir-me embora.
Sou tão estupidaaaa!

Eu até podia interessar-me por outra pessoa, podia. Não querendo parecer convencida, confesso-me bastante requisitada para saídas e chovem convites e pedidos de amizade todos os dias. Rapazes giros, meninos do papá, que me chamam princesa e me entregam flores diariamente. Os melhores discursos e os mais belos gestos. E eu nunca me interesso, nunca. As minhas amigas já desistiram. Não sabem o que se passa, que desde que vim de Londres que ando assim. Pudera.

Há seis meses atrás, acabada de chegar da Londínio Romana, pensava que já não me podia acontecer mais nada neste cantinho de Portugal, que eu já era uma menina do mundo: 4 anos fora da minha nação fizeram de mim conhecedora de muitos países, culturas, formas de vida e o meu poder de comunicação fez-me conhecer topo o tipo de Pessoas. Nunca pensaria eu que, depois de pousar as malas e ir de empurrão tomar café com a família para responder aos “ai, diz lá como foi”, “viste os reis?” e “não comeste bem, pois não filha? Eu sabia que tu não te ias dar sozinha!” pudesse chocar com ele. Eu a entrar, ele apressado de saída e 30 pães a voar padaria fora. Foi lindo. Aquele cheirinho a pão quente e doces, que eu adoro, uma confusão imensa e o meu tempo parado. Ali. Só eu e ele. O meu jeito desajeitado. A sua timidez, meia tonta, e tão sua. Eu. Ele. Ele e eu.
E O BATER DE GONGOS GIGANTES NO MEU CORAÇÃO!

- Estás bem?!
(Ai estou, estou, então não estou. Se sabia tinha desmaiado, que essas mãos de pasteleiro podiam bem fazer de mim o melhor croissant do mundo)

Levantei-me apressada, sacudindo do peito os restos de farinha e declarei aberta a minha sina, uma loucura desenfreada pelo menino da padaria que eu nunca tive a coragem de conhecer. Todos os dias, de manhã e depois do almoço, faço os possíveis e os impossíveis para estar ali, naquele estabelecimento que aos poucos se foi tornando a minha segunda casa. Sozinha ou acompanhada, sinto-me bem ali, mesmo sendo difícil vê-lo tanto como queria. Malditas películas de vidros, clientes e tudo e tudo e tudo!
Claro que eu não me fiquei por aqui: aos poucos, fui sabendo dele nas mais variadas vertentes, sem ele sequer alguma vez imaginar. Cá para mim, isso também pouco lhe importa: Evita-me de todas as maneiras, em todos os sentidos. “É tímido e muito calado, menina. Mas um doce de rapaz!”, ouço. 
O doce dos doces, é o que é.

Será que algum dia terei a oportunidade de poder ouvi-lo falar de todas as histórias maravilhosas que tem, que eu sei que tem, para me contar? Se calhar não sou o género rapariga que ele procura. Acho que é isso. Ninguém vai levar a sério uma tagarela, cheia de amigos com a mania das modas e das tecnologias! A dita “popstar” que não é levada a sério, mais uma vez. A menina rica, só porque o pai é bancário e mãe professora universitária, que toda a gente julga queque. Bah, quantas vezes já ouvi esta história, quantas vezes já chorei por ela! Por mais que tente, ninguém me leva a sério. Tão pouco os meus pais, “que a menina tem é que casar com alguém da sua classe, estudar e ter um ciclo de amigos fechado que hoje em dia a inveja é muita e as pessoas só nos fazem mal!”
Acabo de fazer um gesto obsceno.

Eu quero é alguém que me ame. Que me ame de verdade. Quero ser eu, viver no meu cantinho cheio de cães e gatos, que tanto adoro e que nunca pude ter, quero quero ter o meu conto de fadas real, protagonizado por pessoas reais, com problemas reais, que não sejam o “ai querido parti uma unha!” e “o Artur, comprou um carro novo. Mercedes. Que falta de gosto!”.

Quero alguém que me abrace e me faça sentir protegida, que cante comigo no chuveiro e me cubra quando estiver a dormir. O que eu quero mesmo, é Ele. Quero aquele coração de Ouro, aqueles braços fortes e o cheirinho dos docinhos quentes no nosso forno. Quero guerras de chantily e passeios pela beira mar, risos e choros, mãos dadas e palavras sinceras. Quero aqueles olhos de amêndoa doces e a ternura do seu sorriso.

Quero ser feliz.
E, pela primeira vez na minha vida, não sei como.
Se, pelo menos, ele se interessa-se por mim, se ele me visse, realmente…





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