Estou sentado na soleira da porta, que também faz de minha almofada durante a noite.
Aqui, no coração saudoso do Porto, vivo os meus dias coleccionando pedaços de sentimentos, bocadinhos das pessoas que vão passando, que se perdem sem elas darem conta. Pertencem-me os risos das crianças, os gritos dos trajados que comandam magotes, o espanto dos turistas que percorrem este lugar esquecido, o calor de um cachecol luxuoso no pescoço de uma senhora bem-posta. Todos os dias, ganho prémios de consolação. Alheio aos olhares que falam, às mudanças de passeios, à frieza nas palavras de quem não me vê para além de um sem-abrigo, vejo nas pessoas o que elas não vêm para além do espelho. Talvez tenha aprendido a vê-las por olhar tanto para mim, que já fui igual aos outros.
Eles dizem que não sou nada mas eu sei que represento tudo. Não é a roupa que trago, que me veste. Do que como, nada me sabe às sobras que consigo do lixo, tão pouco bebo da água que vai caído em pingas, do telhado para o copo velho que tenho a meu lado. As pessoas não sabem, não sabem porque não querem, desconhecem porque têm medo, mas eu tenho tudo. Trago comigo as memórias de um outro eu, que vivia provido de tudo o que queria. Carrego as lembranças de uma família que me esqueceu, das viagens que fiz, dos negócios que tive. Meti tudo numa caixinha de cor apagada, fechei-a bem, e transporto-a comigo para onde for, para que nunca me esqueça do orgulho que tenho pelo que sou agora. Talvez estejas espantado por tudo isto e me chames louco como os demais, mas ouve-me agora, que nada mais digo do que a verdade:
Eu tenho tudo.
E foi o que deixei para trás que me fez encontrar quem eu sou hoje. Se assim não fosse, talvez não soubesse tanto de mim, de ti, de nós, agora. E foi isso que me fez dar tanto valor ao que sou, ao invés de dar valor ao que tinha. Perdi, perdi tudo. Mas ganhei-me. Durmo na rua, falo sozinho, sou maltratado. Mas antes não era pior? Tanta gente e ninguém me ouvia, vivia sozinho, mergulhado nas minhas preocupações supérfluas, magoavam-me tantas vezes que ainda sinto as cicatrizes…
Agora vejo a vida de outra forma.
Não, não quero que tenhas pena. Só quero que dês uma oportunidade a ti mesmo, tal como eu fiz comigo. Que te conheças, que te aceites, que te possuas, em vez de tentares conhecer os outros antes, de aceitares o mundo como ele é quando podes fazer melhor, que sejas dono de ti mesmo em vez de detentor de carros de marca e casas á beira-mar.
Hoje, eu olho para as pessoas e vejo-as por dentro. Porque me tornei transparente aos meus olhos, à minha cabeça e ao meu coração!
Nesta soleira da porta onde me encontro sentado, permanece um homem que Vive. Sou um sem-abrigo abrigado por mim mesmo, que quer que a sua história não se repita na tua vida.
Não esperes, começa agora!
Pensa nisto.
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