terça-feira, 4 de outubro de 2011

O inicio de um voo final

Conheci-te há pouco tempo mas sei que és especial. Tão especial que te tenho como exemplo de genuinidade e pureza, referência viva do que é fervilhar interiormente.
E comprovo isso todos os dias, nos teus pequenos gestos, nos teus olhares e no teu sorriso tímido, cheio de vontade de se alagar de gargalhadas.
Mas do que isso, és uma pessoa verdadeira. Daquelas cujo brilho nos olhos basta para se de...scortinar todo um infinito de esperanças, uma luta pela paz interior, “um querer mais que bem-querer.”
Sofres por dentro, eu sei. Lutas contra os demónios do mundo como se fosses um super-herói e só tirarás o fato quando tudo estiver em paz. Paz, essa lonjura que te aproxima!

*

Não aguentava mais. Quantas primaveras já tinha eu vivido naquela casa, quantos Invernos tinha passado a aconchegar-me, tremendo de frio, moribunda de vontade de voar. A minha vida estava passada, e eu fraca de tanto ter lutado, por tantas vezes magoada pelos desaforos de anos de solidão. Mas cantava. Cantava sempre, mesmo que o meu canto não se sobrepusesse aos bramidos do vento. Cantava porque do meu canto surgiam-me novos mundos, uma nova esperança. Tinha já viajado, experimentado, alagado o meu horizonte das mais belas paisagens, novos rumos, apoquentada pelos mais brilhantes raios de sol. Vivi em liberdade, longe dos olhares alheios e gentes sem fé. Sonhei, atrevi-me, conheci. Ah, eterna liberdade que me aprisionou a alma...

Naquele dia de Outono, parei de cantar.

No meu coração, uma canção que não conhecia acompanhava a dureza de uma cama árida. Longe de mim ficava eu, a ver-me penar, ferida no espírito e arrancada da alma.
Contorcida de maleitas perenes, lembrava-me de quando podia voar. Dos meus sonhos de pequena, devaneios de jovem, tolices de velha. E ninguém, ninguém estava ali. Ninguém para voar, ser comigo, pensar como eu.

Era este o fim da minha história.

Malogrado destino de alguém especial, vieste cruzar-te com o que restava de mim. Tu, heroína de uma vida, tinhas-me sentido cair. Tu, de quem sempre tive medo, de quem sempre me afastei pelo medo de te amar, por medo que me ensinasses a manter os pés na terra, porque já sabias voar.
Pela primeira vez tocaste-me e eu tremi. Agonia de um ser tão só, longe poderia ficar o hábito de ver-te tão perto.
Fugir de ti? Eu tentei, juro que tentei. Mas o meu corpo estava cansado e o meu espírito já se rebelava de mim mesmo. Lutei, batalhei, tremi, e acabei por ganhar: um brilho nos olhos, uma mão que me acolhia, aquele afago dos mais brilhantes raios de sol faziam-me sentir que eram aqueles os últimos momentos da minha vida e que era assim que queria morrer. Contigo.
E foi contigo no olhar que te levei no meu voo mais demorado. Levei-te pelo regaço de um aconchego, de um pensamento bom, de um último cantar no meu peito mudo de esperanças. Naquele momento, se pudesse, cantava só por ti.
Mais do que uma companhia quando precisei, foste a mão que me ajudou a superar a queda e me elevou até à eternidade de onde estou agora.
E a liberdade que experimentei, no mais belo canto de um voo tão brilhante quando te ouvi a dizer baixinho: “Vou pô-lo em direcção à luz para que ele possa IR mais rápido.”



Oh, se eu pudesse, se todos pudessem!...


Obrigado.

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