quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Ela estava nervosa. Aprimorou-se o melhor que podia, que sabia. O melhor vestido do armário, sapatos comprados propositadamente e o rímel que até ali só tinha usado no casamento do irmão. Ocasiões muito importantes! E esta seria, certamente. Tinha a certeza de que aquela tarde iria mudar a sua vida. Pelos seus cabelos, escorriam gotas enamoradas de excitação e expectativa. Nívea timidez, pura sedução. Olhou-se ao espelho pela última vez em casa (iria de certo aproveitar o reflexo das montras) e seguiu. Passo firme, tímida convicção. Hoje era o dia!

Em cima da cama ainda feita, ele acordou num solavanco, esfregou os olhos e desesperou: Estava atrasado! Pegou na primeira t-shirt que encontrou, as pernas não viram outras calças. Passou as mãos pelo cabelo, certificou-se que tinha tudo nos bolsos do casaco e correu. Correu tanto que as gotas da chuva pouco ou nada lhe abarcavam o semblante. Antes, o coração pingava de nervosismo e ansiedade. Estava atrasado. Atrasado!

Deambulando apressadamente pela cidade, ele parou. Com ele, pararam as árvores, as fontes congelaram e o canto dos pássaros deixou de existir. Com apenas uma rua movimentada de distância, entreolharam-se.
Reflexos de desolação, ela reparou no seu aspecto descuidado, desimportado daquele dia icónico que já tinha desejado viver. Ofegante, ele percepcionava que ela já não se encontrava a espera-lo, substituindo-o por um transeunte medíocre com quem partilhava a bebida, aconchegada.

Maldito amor, este!

Ele esquecera-se do encontro, da indumentária, da importância daquele dia. Ela trocou-o na primeira oportunidade que teve, sem esperar por um justificação.
De costas voltadas, ele afastou-se e ela acompanhava-lhe as passadas, noutra direcção. Sem discussões nem choros, continuaram as árvores, as fontes e o canto dos pássaros no seu esplendor. Nunca mais se viram, nem se lhes moveu a paixão de outrora, pela amargura daquele dia.

Este é o final de uma história de desamor que podia ter virado um conto de fadas.
Porque eles não sabiam, não contavam, nem quiseram ouvir o que lhes dizia o coração.


Ela, ansiosa pelo momento, tinha passado horas a preparar-se, sem comer. Na dureza e altivez daqueles saltos, no nervosismo da ocasião, desfaleceu. Valeu-lhe o auxílio de um rapaz que passava, cavalheiro de ocasião, que a agarrou e lhe deu de beber, fortificando-lhe o físico.
Ele, tinha passado a noite inteira à procura daquele anel. Tão tarde que regressou a casa, tão mais tarde que se deitou, decorando a voz do coração numa carta de amor exímia, de letra treinada e ternura repleta.

Se eles soubessem...
Se eles soubessem, nada teria ficado por dizer, por conversar, por entender.
Teriam atravessado aquela rua e ali, bem no meio da cidade, trocariam votos de um amor eterno, que findou pela falta de crença numa eternidade.


Se eles soubessem, nunca, nada, ficaria por emoldurar em palavras o que é sentido com o coração.
E, teriam feito da memória do que não ficou, a realidade do que esperavam.



2 comentários:

  1. Confesso que emocionei-me a ler este texto... eu me li na face do cara.
    E gostaria de poder publicar no meu blog, com devidos créditos , sempre!
    Abraços

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  2. Olá Erica! Obrigado pelo seu comentário! È muito gratificante quando gostam do que escrevemos, mais ainda quando provocam emoções! Claro que pode publicar no seu blog :) Diga-me qual é para eu ir lá dar uma espreitadela ;)
    Bem Haja, Erica!
    Beijo *

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